Foi como aconteceu: estava no meio do trânsito, esperando minha vez. Um caminhão atravessado atrapalhava tudo, ocupando duas esquinas e sem sair do lugar. Avançava aos poucos, e então parei por absoluta falta de espaço. E quando tirava os óculos e enxugava o suor do rosto, ela apareceu. Olhou de relance todos os carros e se pôs a atravessar a rua. Talvez nem tenha me percebido ali, no meio de toda confusão. Talvez nem tenha, é verdade, dado conta do meu olhar fixo e conturbado como os motoristas ao redor. Que o tráfego truncado piorasse, nem me aborreceria mais do que aquela visão inesperada. Porque ela veio e me tirou do sossego, da paz que estava há dias, e me atirou na lembrança suja que guardo sobre seu rosto, a voz que me soa agora irritante; até o cheiro de suor seco que vinha de sua pele quando me aparecia em casa voltou com força à narina. Precisava disso? Precisava confrontar o passado e minhas fraquezas de antes? Não. Mas ela veio das entranhas de um dia que me pareceu ruim e atravessou a rua, quase virando o rosto, mas não completamente, impondo-se completamente dispensável. Coisa pouca, que durou alguns segundos. Mas reabriu o desgaste interior, o ódio arrefecido sem objeto. Já vai tudo tão longe, por que ainda me prende isso?
sábado, 1 de março de 2008
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