quinta-feira, 6 de março de 2008

The Way It Is

Alguns romanos dormiam quando a cidade foi tomada pelo fogo. O imperador observava o espelho refletindo sua retina desgastada, e nada sabia. Pensava apenas na própria sorte, numa projeção amarga do futuro. Um futuro que nunca lhe aconteceu de fato. Surpreenderia-se Nero com a inversão de papéis que se operaria após o incêndio? Saberia que os palácios mais suscetíveis são os construídos nos limites da compreensão humana?

Se Eu No Seu Olhar, Afinal [Hélice]

Porque me desfaz de um jeito
que eu não posso opor -
sutileza na forma de prazer
[com os lábios pregados no meu]
diverte-se em espasmos coloridos
retardando a condição
de abrigo para a noite escura
que nos cerca, como agora.
É engraçado como o instantâneo
revelado me deixa tão exposto
às artimanhas tão próprias
de você, um vício perdido
para meu mal.
E eu me pergunto;
onde caí, onde fui parar?
Pensamentos revestidos de chumbo
não produzem, estranhamente,
o som metálico quando arrastados
pelo asfalto: são desfacelados
quando seus olhos os penetram
e os buscam, na vigília do amor...
Seria esse o nome de sua insensatez?
Incontrolável eu me torno
rondando signos para a corrupção
proposta em seu nome.
Amor, se isto há, se guarda nos dentes,
marcando a língua;
não na aspereza libidinosa,
mas na intimidade dos laços atados:
como suas mãos e anéis
anunciando um confronto
um conforto um estorvo
de não estar mais aqui
e ser apenas um rascunho na memória.
Há saída, de outra forma?

quarta-feira, 5 de março de 2008

The Genius Of P. Schrader

- Eu tenho... É que eu tenho... Tenho...
- Está deprimido? Acontece com todo mundo.
- Sim, estou muito deprimido, muito... Eu queria poder realmente... Fazer alguma coisa.
- Com a vida de taxista, quer dizer?
- Bem... Não, é... Não sei. Eu só queria poder... Realmente... Eu queria... Ando tendo umas idéias bem ruins, eu...
- Bem, veja pelo seguinte lado... Quando um homem aceita um emprego... O emprego... Quer dizer... Se torna o que ele é. É como... Você faz uma coisa, você é aquilo. Eu guio táxi há 17 anos, 10 anos à noite... E não tenho táxi próprio. Sabe por quê? Porque não quero. Preciso ser o que eu quero... Trabalhar à noite num táxi de frota. Entendeu? Ao aceitar o emprego, você se torna o emprego. Um cara mora em Brooklyn, outro em Sutton Place... Um é advogado, o outro é médico... Um cara morre, outro sara, entende? Pessoas nascem. Eu invejo a sua juventude. Vá trepar. Encha a cara. Pode fazer o que quiser. Afinal, você não tem escolha. Estamos todos fodidos. Bem, mais ou menos.
- Isso é a coisa mais cretina que já ouvi.
- Não sou Bertrand Russell, sou um taxista, o que você quer? Nem sei do que você está falando, porra!
- Talvez eu também não saiba.
[Do filme Taxi Driver]

Come Back

Matéria minha, publicada em outro domínio, sobre os filmes do Rambo. Sim, eu entendo e gosto muito deles. Rambo, além de ser a metáfora perdida de Hollywood, é um excelente entretenimento. Enjoy it, clicando aqui.

domingo, 2 de março de 2008

The Killing Moon

Noite de erotismos inocentes, ela olha pela porta e sorri, na celebração da conquista feita. Segue numa comunicação gestual, em que o preço pelos seus lábios se mostra alto demais. O que mudaria àquela altura? Meus olhos marcavam num território domado o desejo iminente. E, avançando em passos lentos, mergulhava num delírio em que o tempo, fora de controle, prolongava-se sem alterar os arranjos da memória, fazendo daquele instante o mais prazeroso de todos.

sábado, 1 de março de 2008

Late In The Day

Foi como aconteceu: estava no meio do trânsito, esperando minha vez. Um caminhão atravessado atrapalhava tudo, ocupando duas esquinas e sem sair do lugar. Avançava aos poucos, e então parei por absoluta falta de espaço. E quando tirava os óculos e enxugava o suor do rosto, ela apareceu. Olhou de relance todos os carros e se pôs a atravessar a rua. Talvez nem tenha me percebido ali, no meio de toda confusão. Talvez nem tenha, é verdade, dado conta do meu olhar fixo e conturbado como os motoristas ao redor. Que o tráfego truncado piorasse, nem me aborreceria mais do que aquela visão inesperada. Porque ela veio e me tirou do sossego, da paz que estava há dias, e me atirou na lembrança suja que guardo sobre seu rosto, a voz que me soa agora irritante; até o cheiro de suor seco que vinha de sua pele quando me aparecia em casa voltou com força à narina. Precisava disso? Precisava confrontar o passado e minhas fraquezas de antes? Não. Mas ela veio das entranhas de um dia que me pareceu ruim e atravessou a rua, quase virando o rosto, mas não completamente, impondo-se completamente dispensável. Coisa pouca, que durou alguns segundos. Mas reabriu o desgaste interior, o ódio arrefecido sem objeto. Já vai tudo tão longe, por que ainda me prende isso?