quarta-feira, 30 de abril de 2008

Everybody's Gotta Learn Sometimes

Tento arrancar da cabeça um artigo sobre o último livro de Milton Hatoum há quase um mês. Sinto-me intimidado pela tarefa. Leitor voraz, vejo diante de uma tarefa nova: a de refletir em palavras o que me passa com as leituras feitas. Muito do que o livro transmite ao leitor é matéria subliminar, que revolve sentimentos e lembranças íntimas, jogando nova luz sobre a percepção que temos. Nunca se enxerga o mundo da mesma forma depois que lemos um bom livro. Mesmo os medíocres, que no mínimo acrescentam palavras ao nosso vocabulário. Em conversas informais, já dissertei sobre muitas obras, dando minha interpretação sem a audácia do caráter informativo que um artigo jornalístico impõe. Quem o lê, enxerga aí uma orientação que pode pender para cada lado. O papel fundamentado me retrai de maneira que a colocação cabível me escapa, talvez por haver muitas visões que penso em abordar. Preciso ser mais específico, objetivo, direto. Mas que livro me daria a tarefa de resenhá-lo se coubesse em diretrizes tão enfadonhas e permissivas? Hatoum, com certeza, não seria uma delas. Quem sabe me falte no ato de escrever o profissionalismo amador que o artigo pede e que o livro, ao surgir transbordando no texto, desvia-se do seu reflexo rumo à terceira margem, da imaginação que induz.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Serious [Parte Três]

Garoto de fina estampa passa horas à janela com o olhar perdido a fazer cálculos exagerados sobre a sociedade. Não há mais o que dizer. Suas atribuições são terrivelmente chatas e ele não consegue envolver-se nelas. Por isso os estranhos são interessantes: podem ter todas as vidas em uma só. Quem sabe? Ele olha e enxerga apenas roupas e expressões faciais de cansaço e divagação. Tudo cabe a cada um. Menos para ele, pois a imaginação é vasta no exterior sem que haja espaço para tanto. No máximo precisa de um caderno e de um punhado de livros arrumados no armário. O garoto bem sabe que o tempo é coeso e joga todas as armas contra ele, o forçando a correr mais e mais rápido. Mas pensa com terror o que lhe aconteceria se tornasse uma extensão da luta que trava intermitente. Já lhe sobram meios de transformar-se numa criatura sem coração, revelando o lado pueril de sonhar acordado soterrado na lembrança.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Serious [Parte Dois]

O mundo virou uma pista de dança
[tudo se move so slowly]
em que os mais agitados saltam universos
com os olhos fechados.
Eu sou outsider, sou o vento frio
que varre os campos.
O primeiro e derradeiro brilho do sol.
Não há quem me ponha fora daqui:
eu faço as regras, eu mudo as regras.
Sou revolucionariamente Lennon Woolf Kaufman e todos os outros em um só
um instante um passo em falso
um dia
eu sou
uoseu
eu

domingo, 27 de abril de 2008

Serious [Parte Um]

Quem passa aqui
Quem passa
Quem
Qeum
auqi
passa
além de mim?
Quem além aqui
passa de mim?

sábado, 26 de abril de 2008

Bring It On Down

Tentei listar meus discos preferidos, os livros que falam por mim, os filmes com os quais me identifico; tentei me encontrar em obras de outros. Seria um mosaico de minhas emoções em que faltasse os olhos. Ao cabo de horas, percebi que nada me levava à pretensão marcada. O que essa lista falaria de mim, no final? Seria necessária mesmo? Às vezes tenho essa vontade estranha de me traduzir, colocar pelo avesso o estômago e jogar pra fora tudo o que me corrói aqui dentro. Mas a transgressão enfrenta limites de linguagem, de metalinguagem. De interposição de corpos estranhos. Então a vontade inverte, e me abrigo na distância que proponho entre os discos e livros e filmes. Nunca estarei estampado neles, embora digam sobre quem imagino ser.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Sad Transmission

Quando criança não ficava tempo suficiente sob a chuva. Terminava me abrigando antes que o corpo ficasse encharcado. Não recordo porque fazia isso. Talvez medo de adoecer. Quem sabe. Um dia, nos idos do antigo 3º ano do ensino médio, voltava para casa quando uma tempestade de verão me pegou pelo caminho. Decidi retardar os passos para que passasse pelo ritual. A chuva, naquele momento, me dizia alguma coisa que não compreendi de pronto. Como diria Alberto Caeiro, fiquei apenas molhado. Tantos anos! Hoje essa data me veio à mente quando uma outra chuva caiu em plena tarde de abril. Retornava para casa, como dantes. Mas a mente... Trabalha em outro plano. Muita coisa passou até aqui, por isso a chuva não caiu do mesmo jeito. Nem como ritual, nem como estado úmido da realidade. Ela chegou espelhando os sinais, reconhecíveis agora. Enquanto as pessoas corriam eu mergulhava numa leniência, colhia gentil as descobertas que a vida não refaz depois. A chuva provoca um estado de espírito desnorteado, inclusive aos que ficam tristes.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

I'll Try Anything Once [Parte Três]

Observava, do porto, o rio barrento, seduzido pelo rumor das águas. Na ponte as pessoas paravam de quando em vez e olhavam para baixo, assustadas. O rio sobe há semanas, prenhe das chuvas. O cais antigo ainda em movimento, com pessoas saindo dos barcos em silêncio. Disseram por perto que o volume era ainda maior, e que abaixava lentamente. Parnaíba se rendia ao rio, irmão gêmeo a tolher pessoas em suas casas com a enchente. Há muito já não se dependia dele para viver, vender, viajar. Os mais velhos ainda resmungam sobre o tempo em que ali, no porto, girava a renda e o futuro das gentes. Hoje está tudo perdido - perdido. Canoas saem sem brumo para a pesca pequena, barcos para o passeio de turistas, e o resto se move por outro meio. Às vezes encontro em Parnaíba esse encantamento de cidade ribeirinha muito próprio da região do Amazonas, quando tememos, mesmo que por instinto, o dia em que as águas desafiarem o homem e tomarem a sua terra, subindo numa paciência sem tempo; chamando o homem para si e o escondendo no leito de lama, absorvendo, inalando, até que sejamos rio também.

Hard To Explain

[Speech] Não tenho muita coisa para juntar, não tenho quase nada para deixar, minhas mãos sacodem a poeira da calça por costume porque na verdade estão bem limpas, a lavei ontem. Eu fico é sem saber para onde ir, o que fazer, onde me pôr, porque a prosa é boa mas não mata minha fome. Estou curioso, somente. Começo pela dança de ontem. Sim, parto daí, antes que a memória me falhe. Estava completamente sóbrio. Com uma ânsia me devorando por dentro, mas completamente sóbrio. Acho que tive outro desses ataques que lhe falei. Me pego agarrado com uma estátua, uma falange, um deus-assombração sem muito peso, mas farto como o mundo. Corri pelos cantos, fiquei sem graça, sem fôlego bem digo, ameaçando o vento. Cortei rápido as palavras, me escondi na escuridão antes de desaparecer. Horas... Não, minto, dias. Foi por quê? Difícil explicar.

terça-feira, 22 de abril de 2008

No Cars Go

De passagem pelo mundo que de repente pareceu ser feito de esquecimento e retorno. Os olhos duros e intrísecos de outro, devastando a atmosfera com o silêncio, sobre tudo refez o ar de revolta. Os sons dos carros cruzando o tempo lá de fora são a sinfonia para o fim em um minuto: olhe de relance que notará pela janela o que estou falando. As palavras são maliciosas quando querem.

I'll Try Anything Once [Parte Dois]

Falar da minha cidade? Tento: mas ela me escapa das mãos, da memória, da imaginação. A cidade que espelha água. A água turva do rio, fugindo para o mar. Sei que minha cidade não cresceu como esperava. Permaneceu tímida pelos limites da vida, e ficou a perder muitos de nós nos últimos anos. Onde Parnaíba me cabe? Ando pelas ruas, vejo alguns rostos conhecidos, o céu limpo da terça-feira, e me prendo na sugestão de que desviei-me do caminho, que de algum ponto já não passo mais. O sentimento dessa gente me estranha, talvez me rejeite como filho da terra. Filho fugido. Penso o que me posso fazer de Parnaíba.

Heart Of Glass [Parte Dois]

Nada de palavras nada de ações nada de pensamentos nada de sonhos nada de devaneios vida suja nudez de corpos revelação conspiração elevação provocação discussão constatação agressão verbal ou não. Não. Agora é lucidez sensatez da insensatez. Agora é o que quero o que vamos o que somos o que vemos o que verso o que Vênus. Sou claro límpido cristalino transparente transcrevendo transitório transcendental. Fora daqui.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Heart Of Glass [Parte Um]

Vou falar que não era pra ser assim. Vou falar de quê? Você não ouve ninguém, só o próprio umbigo que, diga-se, nunca foi lá muito sensato. Você é feia, megera, destrutiva. Você partiu em três tempos e retornou com um risinho de orgulho de quem nunca me deu toda atenção. Mas, paciência. Acabo voltando mesmo para jantar.

I'll Try Anything Once [Parte Um]

Interessante ensaio do Frei Betto sobre as celebrações litarárias do ano, notadamente sobre Machado de Assis e Guimarães Rosa. Enjoy it.

http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=10190&cod_canal=53

domingo, 20 de abril de 2008

Deep Blue Day



Como deitar no chão e enxergar o mundo por esta perspectiva:
tudo indo, indo, profundo, profundo,
até acabar de vez.
No céu, rarefeito, só que tudo ao contrário.
Ou será que não?
Porque os sons, os sons estão em toda parte.
Sinfonia dos anjos pregados no telhado?
Ou o ar cortado pela mão de Deus que vem buscar.
A verdade mesmo não vem.
Somente a vontade.

Atlantic

A resposta está soprada no vento. Isso me veio há pouco, enquanto organizava meus livros. Pensei logo, que resposta? E não entendi de imediato. Fiquei olhando para os volumes de Falkner, achando que os caberia bem ao lado de Hemingway. Afinidade? Não, não seria este o recurso. Menos ainda estilístico. E a frase martelando na minha cabeça. Soprada no vento... Lembrei dos dias à beira-mar, quando tudo parecia possível. Naquele ano, os amigos e inimigos se reuniram em um só lugar, compartilharam da mesma noite fria e brindaram a chegada de algo novo que se anunciaria em nossos espíritos muito antes das ações de fato. Seria isto o que me incomodava agora? A certeza prenunciada finalmente impondo-se, num assombro? O certo é que mirei veredas que não me tiram do lugar.

sábado, 19 de abril de 2008

You've Never Lived A Day

Está escuro. Minha leitura nova não caminha, por idéias alheias ao Vargas Llosa. Como poderia dizer... Decifrei em meia dúzia de linhas no terceiro capítulo um rascunho de minha vida. Sim, um rascunho, haja vista não falarem propriamente de mim. Mas está lá. Minha primeira desilusão amorosa, meu segredo de maldade e minha impaciência. Por isso não pude evitar o riso. Como somos rasteiros! As emoções são reproduzidas em série, e afetam a todos. Uma similaridade que segue com algum fim. Só não percebo qual. Se não alcanço, com custo, minha individualidade entre todos, como ainda suponho experimentar algo que seja só meu? Sensações únicas são promoções de venda pela internet. Ao resto de nós só coube esperar.

Shine A Light

Matéria minha publicada em outro sítio sobre o recente lançamento de Martin Scorsese, um documentário intitulado Shine A Light, sobre os Rolling Stones. Enjoy it, clicando aqui.


quarta-feira, 16 de abril de 2008

I'll Try Anything Once [Prólogo]

Olhava para o céu opaco de agosto enquanto caminhava entre os carros. O mesmo percurso de antes, mas eu não me sentia igual. Olhava para os nomes estranhos que agora ocupavam as fachadas dos prédios velhos do centro e tentava encaixar o meu passado na retina, como se pudesse sobrepor a memória a tudo o que via. E assim a cidade foi perdendo o sentido, até se desfazer numa sombra formada de sua própria história. Os anos traçavam minha imaginação e mais longe eu fui, onde não existia objeto ou causa: o estigma dos desafortunados, arrastando-se pelas ruas. Não percebia o espaço que ocupava, anulado pela pressa com que desviavam-se de mim. Parecia que todas as vidas eram tão urgentes... Desesperadamente necessárias para esse universo compacto que tentei assimilar por algumas horas. Mas qual sentido havia nessa busca de um passado que se alterou quantas vezes eu o perscrutava? Não seria na velha loja de tecidos que permanecia inalterada, como uma relíquia dos tempos, entre duas praças, que encontraria minha verdade. Seria talvez longe daqui, em algum lugar onde eu ainda faça parte do processo. Algum lugar de lugar nenhum?

[Texto escrito em 9 de agosto de 2007]

terça-feira, 15 de abril de 2008

Running To Stand Still

A queda:
tropecei naturalmente em vírgulas e travessões
e pus-me de pé com a vergonha estampada em selo.
Mais adiante, ela me auxiliou de forma discreta.
Pensei por manter amor em segredo.
Não me contive: expus com minhas expressões cansadas
o que se passava, cá aqui dentro.
Ela sorriu.
Sorriu por uma infinidade de horas.
E quando respondeu, estava petrificado pelo vento.
Com cãibras nos lábios, a beijei,
um beijo como os seres imaginários dão no fundo do mar.
E, de mãos dadas, me recoloquei na estrada...
Sem jeito, com a certeza do nome encontrado na fé passada.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

After Hours

A tarde para mim é um intricado jogo de palavras. Algumas são ditas, outras caladas; e costuradas, sem nós, com a linha da saudade: permaneceria na vida quem somos se os rostos, congelados no destempero da vaidade, tornassem a vista para outra paragem? Talvez. Buscaríamos alguma espécie de vingança branda que nos deixasse incessantes e exaustivos pois, cansados, nos esconderíamos no conforto de uma trégua arranjada, antes de sermos devorados pelo anoitecer.

Waves

Recordo da voz francesa sussurrando no meu ouvido. Frases incompreesíveis. Depois o ruído da ligação. Ainda estaria naquela pensão barata? É um poeta que gosto muito, ela terminou. Para onde vamos, perguntei sem graça. Para o fim do mundo, meu amor. Espere, vou arrumar minhas malas. E nunca mais atendi o telefone.

sábado, 12 de abril de 2008

Four Years

A noite é uma tela em tinta rubra como o sangue. A noite é um desvario que permanence por todos estes anos. Quando me mudei para cá, não me tinha percebido. Mas certa madrugada, a insônia, pôs-me de pé à janela olhando para o alto. Surpreendi-me. Então passei a fazê-lo com certa constância para averiguar se não seria sonho. Deveras...! Lá no céu a lua empalidece ainda mais, constrangida talvez pelo vermelho pulsante. Às vezes oculta-se, tirando meu sossego. Porque sim, temorizo-me com a idéia de que o satélite canse de nós e nunca mais volte. Os poetas já não a compararam com uma mulher caprichosa? Então. Bem me faz o acaso, ao afastar essas teorias da cabeça. O barulho dos gatos a revirarem o lixo, dos carros furtivos, das pessoas dormindo. O mundo continua lá fora, enquanto queixo-me com perturbações lunares. Talvez careça aí o tédio que me ausenta do calor humano. Ou do calor que me ausenta de mim próprio. Fatos obscuros, quem sabe, como o céu desta cidade.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Blind

Transitando distante de minhas paisagens habituais, deparei-me com o estranho julgamento que as pessoas, de longe, impunham sobre mim. Olhavam de modo torto, a expressão paralisada, por cada momento que houvesse contato essencial. O que se passava em suas cabeças? Eu respondia avistando lugares invisíveis no céu, onde focava minha atenção. No meu tempo de menino, adivinhava formas nas nuvens. Agora, era como se elas voltassem para suas casas depois de um passeio que antes não teria fim. Lembrei de Bandeira, Quintana, Adélia Prado. Quis decifrar o extraordinário em matéria tão vulgar - ou não seria assim a infância entrando sem avisar no dia de sol que percebi outrora? Mas faltou talento, e sobrou abstrações, em face do amor comedido pela liberdade mais ingênua que vivi.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

I Just Can't Get Enough

Dormia no sofá e acordava com o gosto de cinza na boca. Ela amanhecia também. Chuvia noites inteiras. Mas sentia meu corpo seco, sem uma gota de atração. Quando punha os olhos no pé descalço que se aproximava, entendia a razão. Ela gostava de tentar. Sua melhor roupa, seu melhor jeito. E com que razão, perguntava eu? Nenhuma. Era maçante, até, explicar com palavras miúdas os vestígios em que me perdia, vastos como os caminhos para a interpretação de seus olhos. Tentava novamente. Mas as línguas se desencontravam. Dias a fio assim. Foi então que ensimesmei e, acompanhado pelas nuvens escuras no céu, parti logo cedo, mudo até em pensamento. Ela me perseguiu ao descobrir, sem perceber que buscava sossego no vazio dos braços desarmados. Depois de tudo, terminou com um bilhete. O papel estava em branco: já não me dizia mais nada.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

The City Limit [Parte Dois]

Acordei com a lembrança falsa de favores amorosos prestados por uma velha amiga. Não me sentia, entretanto, enganado pela memória. Apenas perscrutava o fluxo de imagens confusas, como se a noite anterior tivesse passado imersa em álcool e brilhantismo. Moças sorrindo, desconhecidos olhando torto para mim, a nave secular da soberba humana pairando sobre nossas cabeças, num revanchismo retórico. A cidade fora dos pátios gradeados repartia-se em duas; aludindo à figura mítica da hidra. Em pouco tempo, sombras tomaram o lugar de tudo o que via, até restar, no dia seguinte, meu rosto cansado, frágil pelas certezas ausentes. Quem estava lá, afinal? Somente um rosto recorria aos esforços contra a amnésia temporal, um rosto familiar, inclusive aos apelos de afago passageiro. Mais uma história que não terminou na minha vida, deixada em aberto para um futuro talvez. Ela me resguardou do desgaste que a noite impôs aos que avançaram contra si mesmos? Era constrangedor perguntar. Mais: era intimidador. Como não podia sublinhar de minha demência etílica, fiquei divagando, ainda deitado. Uma larga hora se passou. A manhã ia alta, e eu entregue ao que pude ter feito, ao que não pude fazer, elementar na hipótese sensual.

[Texto escrito em 14 de outubro de 2007]

The City Limit [Parte Um]

O som da guitarra está muito alto. Eu olho para as cabeças pendentes como se entendessem a mensagem, e fico perdido por alguns segundos entre os outros. Calma. É só um show. A guitarra distorcida faz parte do clima. Não se perca. Beber, já naquela hora, não fazia mais sentido. Mas ainda assim eu continuei, transitando entre as pessoas, encontrando amigos, que conversavam gritando no meu ouvido. Eu ouço vozes, mas não sei de quem são. Quando a música chegou ao fim, a seguinte foi anunciada pelo vocalista com um grunhido no microfone. Às vezes eu penso se tudo o que me lembro não passa de uma alucinação. Se não estaria em outro lugar, outro plano, em outra mente? In Rainbows. Sim, eu sei. Não, ainda não. Hoje estava com vontade mesmo de ouvir In Limbo. Não percebem. O novo é o velho transvertido nos suaves tons da revolução tecnológica. Você vai acordar amanhã e não lembrar de mais nada. Até lá, vai ignorar minhas opiniões. Elas não são para divertir. Isso você já tem no palco, nos últimos acordes. Não quer ouvir sobre algo que não esteja aqui. As pessoas. Aqui, buscam uma postura mais rock ‘n’ roll. Surpresa: o rock não existe. Tudo o que vemos aqui não é real. Lógico, não é fácil perceber. Porque quando estamos entretidos demais com o movimento... O raciocínio não pára em ponto algum. Apenas se desloca pelo tempo, no vórtice da beleza sonora. Quantos se sentem transmutados no lirismo selvagem, pulsando o inconsciente inexplorado? Entre o sono e a insônia, o tédio e a loucura, a verdade e a ventura. Um caos que se desloca com a saída para a noite quente.

[Texto escrito em 13 de outubro de 2007]

Times Like These

Nunca mais diga o que viveremos outra vez. É tudo obra do acaso; do silêncio que impomos ao som que fazemos. Planos me soam muito previsíveis. Prefiro instar minha própria distração por alguma forma de aventura nova. O que esperava? As horas caminham fora do eixo, fazem loop e caem no nosso colo meio sem querer. Quando ponho meus lábios em contato com os seus, não espero mais que um beijo. O que vem daí, já recebo de mente aberta. O mesmo digo dos encontros diurnos: quando outros fazem a sesta, eu cumprimento os deuses da patifeira em plena ganância dos instintos. Porquanto aspiro o ar viciado de promessas da manhã, espero que transborde de seu estômago ou coração e cérebro toda a fúria que a paixão presente exige.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Instant Karma!

Conheci um cara. Pediu trocado para cigarros. Alimento para o câncer, ele disse. Um tremendo clichê, mas joguei umas moedas e sentei para ouvir sua história. Estranhos entram em nossas vidas a cada dia e deixam rastros insondáveis. Perderia o ônibus mas, pensando bem, haveria tempo bastante. Então ele resmungou: tudo começou com uma mulher. Cheirava cocaína todas as quintas, na casa de amigos que davam festas para ter sexo fácil. Numa dessas, estava lá, ouvindo música eletrônica e mirando seus olhos azuis. Depois descobriria que eram falsos. No começo só transava drogas leves. Mas por causa dela pediu até um pico. Auge da loucura. Quando começaram, passavam dias trancados num quarto sujo de hotel, um quarto que era só deles. Dias, alimentando um ao outro. Um do outro. Com os meses, ela parecia ter mais resistência. Já ele estava completamente mergulhado no vício. Queria entrar pelas suas axilas depiladas, pelas covas da bochecha. Cheirava seu cabelo depois do sexo e entrava em transe. Dias sem igual. Então, de repente, ela passou a abusar do escuro. Voltaram às festas, aos amigos em comum. Não estava satisfeito, naturalmente. Procurava seus lábios, mas não os encontrava; estavam tensos. Seu desespero de paixão vulgar ficou estampado na cara. Ela dava as cartas, e pedia mais. Um carro emprestado e a viagem sem volta para o paraíso sem nome. Ele nunca conseguiu superar. Já usara todas as palavras do Verbo para ofender sua própria decência. Sem ela, as festas acabaram. As pessoas falavam entre si sobre o caso, acharam melhor afastá-lo de seu mundo. Agora, ele terminou, me enveneno para a morte, sem pressa. Aprecia na rua muitos tipos? Sim, e, no fundo, todos me lembram ela. Mas sei que há os capazes de coisa pior.

domingo, 6 de abril de 2008

Amputations

O rosto arrastado pelas esquinas como máscara da morte não me sai da cabeça. Penso nos olhos embotados e perco a fome, o sono. Não durmo há dias. O sangue marcado nos lábios entreabertos manchou a beira do asfalto e sempre que passo, olho com repugnância e tentação. Aquela mancha me alimenta de alguma coisa. Bem sei que desconheço intimamente qualquer tendência suicida. Mas de outro modo... Vasculhei minha correspondência dos anos anteriores: nada. Nenhuma pista. Ao menos nenhum amor antigo me espreita com subterfúgios. Também, todas as paixões estão resolvidas, não existe o que possa me intrigar nelas. Haveria reciprocidade no jeito em que enxergo a vida? Porque só assim para que eu possa pensar em uma mensagem sublimar. Vejamos: acordo, tomo banho, depois café, e saio para o trabalho. Pausa para almoço. Segundo turno do trabalho. Depois meu novo curso noturno. Retorno para casa, inverto a rotina matinal e então durmo. Onde está o elemento humano? O que me aproxima dos demais? Compartilhamos a mesma rotina ao menos. Muitos vivem e morrem assim. Haveriam de assimilar a mesma reação que tenho caso vissem a mancha de sangue no asfalto? Caso tivessem visto o rosto sendo arrastado... Não me sinto mais seguro a respeito disso. E essa ignorância me deixa bastante desconfortável. A quem recorrer? Todos que conheço dispõem dos mesmos recursos ridículos que eu para enfrentar meu problema. Às vezes nem sinto meu sangue correndo nas veias.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Keep Up

Quando pareço perdido, é porque realmente o estou. Pus os pés na mais clara evidência de desconforto sob a mesa, olhando ao redor, acuado. Mirei longe, lá no rio em enchente, pela janela, pensando em meu prazer. Os dedos coçavam. E como ora eu diria isso na frente de tanta gente? Na frente dessa gente que se ocupa com as menores coisas, as mais insignificantes, mas que estão faladas tanto quanto a cheia do rio. As águas prenhes são o curso de uma viagem que dura horas, na poeira da memória. E a memória duraria tanto? Quem sabe. Ela toma veredas tão estranhas, se desorienta, se contrai, se revela. É o nosso retrato. Às vezes somos confusos de forma que realmente desperta a vontade de saber um pouco mais. Mas quem entraria a saber isso? É muito complicado, é vasto, como as margens a abraçarem cada vez mais terra, a ficarem mais longe entre si, deparando com fastio a nossa indolência em admirar o medo, e pensar satisfeitos que é assim, e por direito. As margens de um rio que ameaça nos comer, devorar todas as plantas e homens. Encarariam o desatino?