quarta-feira, 4 de junho de 2008

Closing Scene

Até onde me lembro, sempre tive uma trilha sonora para cada dia da minha vida. Às vezes penso que meus headphones são uma extensão do meu próprio corpo. Antigamente, no tempo de colégio, andava com meu discman na mochila, limitado ainda pela disponibilidade da minha discografia "física", ou seja, pelos discos que comprava. Não eram muitos, e a maioria das mesmas bandas, pois sempre gostei de comprar todos os álbuns de um grupo que eu goste. Gostava de sentar no pátio ouvindo minhas favoritas enquanto a aula não começava. Algumas bandas que curtia na adolescência como Oasis e Dinosaur Jr ainda escuto, mas outras como Aerosmith e Guns 'N' Roses perderam definitivamente espaço em qualquer tracklist que eu faça. De qualquer forma, foi nessa época que minha comunicação com o resto do mundo foi mudando. Os phones são poderosos meios de isolamento, porque dificilmente alguém perde tempo insistindo em conversar com quem parece longe demais de qualquer lugar. Sim, porque a música me transporta de uma forma meio... transcendental no pensamento, se é que algum de vocês que estejam me lendo agora imaginem como isso acontece. É como se eu criasse imagens e intuísse percepções sobre elas partindo do som que esteja rolando nos meus ouvidos. Ou na minha cabeça mesmo, porque muitas vezes acontece de eu escutar um disco ou uma música sem necessariamente ouví-lo, mas isso é outra história. Enfim, foi assim que aconteceu comigo: a música se tornou tão presente no meu cotidiano que passei a relacionar eventos e datas ao que estava escutando então. Essa associação foi criando um enorme acervo sonoro na minha memória com arranjos e combinações infindáveis. Bandas como The Beatles e Pearl Jam já listam tantos indicativos temporais que juntos, já responderiam por uns cinco anos da minha vida. Logicamente, não no espaço-tempo contínuo, mas acho que deu pra entender. E, com o advento do mp3 player, foi que a revolução mesmo aconteceu. Ou bagunça, como preferir. Imagine que minhas limitações técnicas mencionadas, a do cd com média de 12 a 15 faixas, foram subitamente descartadas para a possibilidade de 100, 130 ou mais músicas de uma só vez, dependendo da capacidade de armazenamento do aparelho. Sim, um espanto. Bastava colocar uns 6 discos na sequência que preferisse, ou mesmo só as músicas que mais gostasse de cada um, e sair contente pelas ruas ignorando os ruídos chatos da cidade. E, o mais importante, não dependia dos discos que comprasse. O significado de baixar um disco tornou-se superlativo com esses "tocadores de mp3", porque agora carregava-se o arquivo digital para onde quiséssemos e ouvir quando desse vontade. E a crescente expansão da internet, seus recursos e sua velocidade, trouxe o acesso a material apenas vislumbrado antigamente, a menos por mim. Combinação perfeita. Pra completar, o cenário musical contemporâneo se enche de novidades num ritmo que as gravadoras nem de longe conseguem acompanhar. Para que esperar o lançamento de um álbum no Brasil, provavelmente saindo meses depois do resto do mundo, quando antes de qualquer lançamento oficial ele já está disponível no blog ou site mais próximo? De repente, você percebe que faz download de maneira quase compulsiva, querendo conhecer bandas ou artistas que, no esquema antigo de cd vendido na loja e por um preço pouco amistoso, não teriam a menor chance de serem ouvidas. Perdiam a preferência para os já conhecidos. No final das contas, a realidade passou a ser movida a música. Esperar ônibus se tornou menos sacal, pelo menos. Também fazer compras no supermercado ou qualquer exercício como caminhar. Para tudo isso existe uma trilha sonora como disse, e que varia a qualquer momento. Quando você está totalmente acostumado a esse estilo de vida, é muito ruim quando sai dele abruptamente. Muito ruim mesmo. Foi o que me aconteceu na última sexta. Fui dormir ouvindo o último lançamento do Metric [que, diga-se, funciona muito bem para essas horas] e acordei com meu phone pifado. Não sei bem como aconteceu. Talvez tenha dado algum puxão durante o sono, sei lá. O fato é que ele não funciona mais. Fui na loja e a marca que gosto de usar estava em falta, com previsão de chegada de novo estoque em 15 dias. Pensei: que terror. Mas tudo bem, seriam duas semanas em que voltaria à realidade de uma forma bastante estranha, qual seja, ouvindo o som do mundo. Conversas, carros, propagandas, eventos, portas, pedintes, enfim, tudo o que participa da cidade e que me era alheio há tanto tempo. No começo foi algo próximo de uma reeducação cognitiva. Lidar e apreender o que estava em curso ao meu redor. A primeira conclusão a que cheguei foi que o barulho das ruas me incomoda mais que qualquer coisa que eu não goste de escutar. Até porque, e essa é a grande ironia, fazem parte do ambiente. Os camelôs colocam DVDs piratas de bandas de forró a toda altura em suas banquinhas, o que é extremamente escabroso. Mas aqui isso não afasta as pessoas. A cultura daqui aprecia essa perturbação em que se distingue somente algo do tipo "sou cabra safado" e "você não vale nada". Têm pedidos de esmolas que se prolongam por várias esquinas, em maior ou menos grau de penitência. Tem o comércio popular com suas ofertas propagadas num alto-falante mono, pelo vendedor de dicção péssima. E os templos evangélicos, todos iguais na gritaria em que se transformam os cultos vespertinos. Parecem pregar por coação. Mas o pior são, sem dúvida, os ônibus. Nem vou mencioar os que ligam o rádio mal sintonizados em estações de música brega. Diriam que estou apelando. Falo mesmo dos freios sem manutenção que, em constante uso, produzem um ruído agudo mais incômodo que choro de bebê. Da sensação de desmonte iminente que o ônibus passa ao acelerar ou cair num buraco. Parece que a frota é renovada com lata velha. O único lado bom do transporte coletivo nessas horas é que você participa involutariamente das conversas alheias. Ouve-se diálogos entrecortados, às vezes iniciado ainda na parada e que não chega ao fim antes da descida no ponto pretendido. O resto você tem de adivinhar. Aí você percebe a matéria humana, em suas reclamações do trabalho, dos problemas familiares, de algum acaso ou acontecimento excepcional na vida de um desconhecido. É o momento em que me aproximo dos outros sem precisar interagir com ninguém. Você apenas senta e escuta o que dizem no assento da frente. Tenta adivinhar que livro comentam, qual o nome da garota que deixou o cara tão impressionado. Isso é bacana. Não me tirem por intrometido. Não é pela vontade de saber da vida alheia. De forma alguma. Até porque o grande lance é o que contam, e não quem fala. É conhecer histórias, de livros sendo escritos agora, o que no fundo cada um de nós é. É assimilar melhor o que acontece dentro de cada um, para que cada rosto perca a indiferença em que se mascara e que é tão desinteressante. Isso é que me fará falta de verdade quando eu comprar uns phones novos e voltar ao isolamento musical.

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